Teología e Historia, Volumen 6, Año 2010, pp. __-__ ISSN 1667-3735
Resumo
A experiência da juventude metodista latino-americana, realizada no início do milênio por um grupo específico, é analisada em diálogo com a tradição eclesiológica do movimento wesleyano em seus primórdios, com o objetivo de propor uma ação coerente que responda à demanda e ao contexto do presente século.
Palavras-chave: juventude, metodismo, eclesiologia, discipulado, renovação.
Introdução
O continente latino-americano vivencia neste terceiro milênio, guardadas as proporções, desafios similares aos enfrentados por John Wesley na Inglaterra do século XVIII. De igual modo, o metodismo pode ser comparado, em alguns aspectos, ao anglicanismo que Wesley buscou revitalizar. Tal despertar urge a fim de proporcionar à instituição um movimento que impulsione um caminho em equilíbrio integral capaz de responder às necessidades concretas – sociais e espirituais – dos povos que compõem a nossa pátria latina.
Este breve ensaio lança mão da metodologia indutiva para a investigação, por meio dos procedimentos metodológicos de ver, julgar e agir. O ponto de partida é a vida, numa análise da experiência da juventude metodista no início do milênio; a questão a ser avaliada é a eclesiologia wesleyana fundamental no metodismo nascente; e o diálogo entre práxis e análise, entre experiência e tradição, culmina numa proposta de releitura para os dias de hoje e para o rejuvenescimento da Igreja.
A experiência missionária da juventude latino-americana[1]
Durante o qüinqüênio 1998-2003 foram realizados 17 encontros regionais que reuniram aproximadamente 600 jovens metodistas em distintos países: Nicarágua, Porto Rico, Equador, El Salvador, Peru, Argentina, Cuba, Honduras, Chile, República Dominicana, Uruguai, Bolívia, Brasil, Colômbia e Paraguai. Jovens indígenas de raízes Quéchua, Aymara, Toba e Guarani participaram ativamente, e a juventude do CIEMAL (Conselho de Igrejas Evangélicas Metodistas da América Latina e Caribe) estabeleceu relações e trabalhos em conjunto com as juventudes do CLAI (Conselho Latino-Americano de Igrejas), MARCHA (Metodistas Associados Representando a Causa dos Hispanos-Americanos), FUMEC (Federação Mundial de Estudantes Cristãos) e do Concílio Mundial Metodista.
A prática missionária foi realizada de maneira integral e criativa, com base no equilíbrio entre obras de piedade e obras de misericórdia, e estabelecida em sintonia com a Igreja Nacional de cada encontro regional, a fim de atender às necessidades reais da Juventude e da Igreja, e de apoiar os respectivos Presidentes/as e Bispos/as de acordo à sua realidade e contexto. As atividades de ação social consistiram em visitas a hospitais e cárceres, apoio à construção de igrejas e de casas devastadas por catástrofes naturais como furacões e terremotos, oficinas de artesanato para mulheres como alternativa ao desemprego, atendimento em clínica de saúde em área rural à população indígena, pintura de classes para Escola Dominical, divulgação em rádio, festivais de artes, seminários de combate ao alcoolismo e à violência familiar, e jornadas de saúde preventiva.
Concomitantemente, grupos se alternavam para que a oração fosse contínua durante a atividade prática, grupos de teatro e música se apresentavam nas ruas, praças e mercados com mímica e cânticos, duplas entregavam folhetos de porta em porta, escolas bíblicas de férias eram ministradas às crianças, e a Palavra era ministrada ao ar livre ou nos templos. A comunidade era impactada pelo Evangelho integral, e a igreja local ou nacional ficava responsável pelo seguimento do trabalho ao término de cada encontro, a fim de acolher e discipular as pessoas que se aproximaram.
Atividades com nomenclatura wesleyana foram implantadas a fim de adaptar e recriar, na prática, nossa herança metodista. O “clube santo” era referência ao grupo formado por Wesley na Universidade de Oxford, e atividade foi realizada em moldes similares, com estudo das Escrituras, oração, jejum, avaliação da vida íntima, confissão de pecados uns aos outros, louvor a Deus por meio de cânticos e de compromisso com a sociedade. Os “grupos Wesley” foram criados para reunir entre dez e doze jovens de diferentes nacionalidades para compartilhar testemunhos e idéias, com o objetivo de buscar uma participação ativa e inteligente na igreja e na sociedade, a fim de viver a vida cristã com seriedade e propósito, e de responder aos desafios vividos diariamente à luz de nossa fé e ética, como cidadãos e cristãos.
Centenas de testemunhos demonstram a transformação ocorrida, possível a partir de tais encontros, a maioria deles com continuidade. Porém, o diagnóstico geral sinalizou a carência, nos diversos países, de uma atuação que é fundamental na eclesiologia inegociável em Wesley – a prática integral e concomitante entre obras de misericórdia e atos de piedade, a coerência entre ortodoxia, ortopraxia e ortopatia, a ênfase na religião do coração e a formação de grupos pequenos. A atuação unilateral enfraquece, descaracteriza e empobrece a missiologia metodista, deixando-a aquém dos resultados que seriam possíveis por meio da vivência do Evangelho na sua totalidade.
Situações desafiadoras da práxis eclesiológica da juventude
A juventude metodista está orientada pela ortodoxia wesleyana há quase três séculos. Entretanto, responde de maneira diversa segundo o contexto sócio-político no qual está inserida, influenciada especialmente por suas marcas culturais.
Com o olhar focado a partir do ponto de vista de cada povo em questão, tornou-se perceptível e compreensível constatar ênfases e distorções: no âmbito da juventude metodista guatemalteca, há uma separação aparentemente irreconciliável entre Igreja e política, pois a nação sofre diariamente no convívio em meio à guerrilha; a juventude paraguaia denota uma expressão alheia ao ecumenismo, quiçá pela concepção que lhes tenha sido impressa pelos primeiros missionários; a juventude chilena acentua o controle e uma organização fortemente hierárquica após o modelo ditatorial implantado durante décadas no continente; os jovens peruanos distanciaram-se do batismo infantil e encontram dificuldade em buscar espaço para a expressão juvenil em meio a uma instituição marcadamente adulta; os jovens bolivianos reproduzem inconscientemente as desavenças assimiladas pela guerra fria entre os povos quéchua e aymara no senado e câmara de deputados; a juventude argentina tem uma opção preferencial pelos atos de misericórdia ao afirmarem: “somos os braços e pernas de Deus – a oração encarnada – em ação ao levar o pão para quem tem fome”, optando por não praticar a piedade diante da convicção da suficiência das boas obras; a juventude cubana tem uma opção preferencial pelos atos de piedade ao dedicar dias ininterruptos em jejum e horas seguidas em celebrações cúlticas, entrentanto reconhece a dificuldade de realização de ações sociais e atos de misericórdia diante do trauma causado pelos aspectos negativos da revolução nacional.
A perspectiva wesleyana pressupõe a prática de atos de piedade, tais como a leitura das Escrituras, a oração, o jejum, a confissão de pecados, a santificação, bem como o socorro aos necessitados por meio de atos de misericórdia, tais como a visita aos encarcerados, o cuidado com a viúva e o órfão, o serviço à comunidade, a diaconia.
A imagem da Igreja como instrumento de esperança deve associar-se à política. Por sua vez, a imagem das diferencas – de gênero, faixa etária, etnia – devem ser redesenhadas a fim de serem inclusivas, possibilitando conexidade e igualdade. A imagem de disputas descabidas entre os povos, quaisquer que sejam, deve ser dissipada à exaustão, e nunca reproduzida a fim de obter cargos que ofereçam o status da representação do divino na luta pelo poder entre tantas ‘tribos’ – nossa luta deve estar fundamentada na sinalização do Reino de Deus, na construção de ‘outro mundo possível’[2].
É necessário resignificar o sentimento de um povo ou grupo a partir da educação, a fim de evitar as ‘mediações distorcionantes’[3] e construir com coerência uma ortopatia wesleyana, que sinalize a relevância dos símbolos na prática eclesiástica e comunitária, em nível institucional e nacional.
A eclesiologia fundamental do metodismo nascente
A simples alusão a documentos metodistas e à motivação originária de seu precursor não representam, necessariamente, condição sine qua non para refutar imagens culturais que são determinantes no desenvolvimento da ortodoxia e ortopraxia nas Igrejas Metodistas e reproduzidas pela juventude ao longo do continente. Ela não deve ser contestada, à custa da criação de barreiras que impedem o contato com tais grupos que ‘subvertem’ a ordem estabelecida, supostamente uma ameaça ao ‘dossel sagrado’[4] construído.
O ser humano é alguém capaz de ler e interpretar a mensagem que o (seu) mundo carrega em si. Ao fazer o efêmero transfigurar-se em sinal da presença do Permanente, e do temporal tornar-se símbolo da realidade do Eterno, o mundo – e o seu mundo – torna-se em grande sacramento de Deus.[5] Tal edifício sacramental sinaliza uma outra realidade, a realidade Daquele que é ‘totalmente Outro’
A fim de sinalizar a realidade transcendente, John Wesley lançou mão da síntese entre elementos aparentemente irreconciliáveis, e o fez de diversas formas, com o objetivo estratégico de alcançar a plenitude possível a partir da ‘nova criatura’.
Wesley cultivou, de forma significante, a memória de cristãos exemplares e de mártires da causa cristã do movimento metodista e de toda cristandade. Em tais biografias Wesley procurou destacar repetidamente o exemplo da sua santidade, do grau da perfeição cristã alcançada pela pessoa. Por meio desta repetição, criou-se um padrão da vida cristã.
A eclesiologia fundamental de Wesley pretende um movimento de renovação genuinamente ecumênico, capaz de beneficiar a todos os cristãos. Wesley insiste na doutrina, mas permite um campo de divergências dentro das sociedades[6]. Sem subjugar a reta doutrina, concebe que a missão do metodismo não é outra senão a de ‘levedar toda a massa’ (da Igreja), a fim de que se estenda “a santidade bíblica por todo o país”.
Seguindo o foco antropológico da sua época, Wesley desconsiderou as imagens como meio de graça e destacou o ser humano como imagem de Deus. Entre as diversas ‘imagens’ implícitas, destacam-se as que fazem referência ao caminho, à casa, à memória, ao ecumenismo, aos pequenos grupos, ao mutualismo, às pontes que, construídas, podem reconciliar teoria e prática, fé e razão, piedade e misericórdia, cultura e evangelho, a fim de vivenciar a santidade bíblica em todas as nações. A unidade em torno de elementos inegociáveis do quadrilátero wesleyano, e da essência do cristianismo não se dá de forma espontânea nem mágica. Wesley se gasta e se deixa gastar na árdua e extensa tarefa de reunir grupos pequenos, de pregar ao ar livre, de formar até reformar as pessoas do mundo e o mundo das pessoas por meio de sua extraordinária proposta pedagógico-ministerial.
A superação das representações e mediaçõesdistorcionantes se concretiza no equilíbrio entre os elementos que sintetizam a teologia wesleyana: Bíblia, tradição, experiência, razão e criação[7]. Do contrário, estamos descaracterizados. Ademais, a evangelização, como medula de toda obra wesleyana, ultrapassa o âmbito religioso para significar, intrinsecamente, um convite a participar no “laboratório do Reino”[8] – um compromisso com a renovação da vida humana em todos os seus aspectos.
Hoje, não somente as questões decorrentes da globalização e dos sistemas econômicos nos afligem como nos tempos de Wesley, mas também a secularização eclesiástica, a mecanização da religião e as ‘teologias de balcão’[9] nos fazem vivenciar novamente a religião formal combatida veementemente por ele. Tal como ocorreu com a espiritualidade anglicana no século XVIII, é preciso resgatar uma vez mais, no continente latino-americano, a religião da razão e da tradição – menosprezada em favor da busca de um avivamento parcial, onde a prática social é relegada ao esquecimento; bem como a religião do coração e da experiência – dimensão humana fundamental que o racionalismo e também a prática unilateral da proposta de Wesley desconsideraram ao desenvolver atividades puramente sociais, em detrimento e relativização da importância de uma espiritualidade integral.
Wesley não formulou uma eclesiologia como tal, visto que lhe era suficiente aquela definida pela Igreja da Inglaterra. O metodismo começa com aqueles momentos históricos que marcam o aparecimento de pequenos grupos e do modo estreitamente comunitário de se viver a fé. Wesley registra que o metodismo começou com esse grupo que formava o ‘clube santo’ – a eclesiola. [10]
A ‘eclesiola’ é a escola de um apostolado leigo, na qual o crente não se instala numa salvação obtida, mas se alista numa missão que lhe exige um constante crescimento pessoal e uma permanente relação com os demais[11]. A ênfase missionária introduz uma tensão nos elementos da definição eclesiológica, pois Wesley coloca a Igreja a serviço da proclamação evangelizadora, conclamando a instrumentalidade prática da Igreja – que está concebida em termos de sua realidade interior – para a sua missão com o mundo não crente. Ademais, a ênfase nos grupos manifestava a transformação possível por meio da ‘eclesiola in eclesia’.[12]
Por meio da ‘eclesiola’, Wesley reconcilia elementos objetivos (Palavra, sacramentos e ordem) da tradição protestante e elementos subjetivos (experiência, santidade, meditação, oração e comunhão) da tradição pietista, e provê um valioso instrumento para a renovação da Igreja. Concebida pela prática de pequenos grupos voluntários de crentes que vivem, segundo a Palavra, uma vida de disciplina e piedade comunitária, colocam-se nas mãos do Espírito para serem utilizadas como levedura na renovação do corpo total da Igreja.[13]
A santidade social e o levedar da massa
A prioridade da fé viva é destacada sobre a mera adesão e formalidade. O desafio do metodismo é ‘levedar toda a massa’, criar as novas condições estruturais que possibilitam a concretização da santidade exigida pela Escritura por meio do crescimento e frutificação do sujeito que nasce a partir da conversão, e é autenticada pela pastoral da eclesiologia implícita: pelos meios de participação e expressão da experiência interior. As regras wesleyanas direcionavam os grupos a uma reflexão com propósitos: apontando para uma forma de vida condizente com o Evangelho, estimulando a ação mútua pelo bem da sociedade e o serviço ao próximo, e exortando à participação assídua na Igreja e aos meios de graça. É requerido um compromisso total de todos os membros, uma relação pessoal e de mutualidade é estabelecida – Wesley alcança uma relação ‘cara a cara’ em meio a uma sociedade onde a industrialização já estava imprimindo o distanciamento e o individualismo, característica dos dias atuais.
Membros e líderes são constituídos agentes ativos e responsáveis de seu próprio crescimento, e a condição para o crescimento em Cristo era ‘estar juntos’, em comunhão. Dos conceitos de Wesley acima descritos, desdobram-se a questão da santidade social, alcançada pela contribuição mútua ao crescimento conjunto; o estímulo para fazer o bem e da participação das mútuas experiências; a organização visível e concreta da comunidade, que está unida e estabelecida em determinado lugar; e, finalmente, denota que a comunidade é um elemento de evangelização, é parte do processo missionário – a relação entre a Igreja e a missão faz parte da renovação wesleyana.
O centro explícito da preocupação ministerial e o pensamento doutrinal de Wesley é constituído pela santificação. A pergunta que comove toda a vida de Wesley é: “O que Deus espera de mim? Que atitude me é requerida em minha relação com Deus?” A resposta inequívoca das Escrituras é: Deus demanda tua entrega total, demanda a totalidade de tua pessoa e de tua vida. Essa é a raiz de sua doutrina da santificação. Wesley encontrou na graça imerecida de Deus, manifesta na obra do Espírito Santo, a resposta à pergunta sobre como amar a Deus de todo o coração, mente e forças, e ao próximo como a si mesmo. Tal resposta foi o motivo dominante da renovação evangélica do século XVIII, por isso Wesley insistiu com razão no fato de que a comissão do Metodismo era ‘espalhar a santidade bíblica’.[14]
Somente onde a pregação da Palavra de Deus e a administração dos sacramentos produzem a resposta da fé que cria santidade de vida pode existir verdadeira Igreja, afirma Wesley. Essa preocupação com a vida da Igreja foi a razão da fundação das sociedades metodistas.
Releitura para o rejuvenescimento da Igreja
A renovação da Igreja é obra da Palavra de Deus – segundo a tradição protestante, e é fruto de uma renovação interior do crente e de uma renovação na vida prática – segundo a tradição pietista. Na convergência entre as tradições, torna-se evidente que não basta ‘retornar’ à Palavra, é mister ‘avivar a fé’; é necessário que a Palavra não se limite a iluminar a mente, mas que aqueça o coração e produza uma nova vida que se manifesta na conduta.
A falsa oposição entre ‘reforma’ e ‘avivamento’ engendra corrupção teológica, uma oposição entre a segunda e a terceira pessoas da Trindade, com graves conseqüências práticas: uma ênfase unilateral na Palavra nos deixa um Verbo puramente objetivo, remoto, acessível somente de forma exterior. A corrupção da Reforma é a ênfase na ortodoxia, num cristianismo puramente formal, ‘fogo pintado na parede’, que não dá luz nem calor. Por sua vez, a insistência unilateral no ‘avivamento’ desemboca em outro extremo: um Espírito que somente atua subjetivamente, sem referência exterior identificável. A corrupção do ‘avivamento’ é o moralismo ou o misticismo subjetivista denunciado como pior inimigo do Cristianismo. Wesley se recusa a dissociar os elementos objetivos e subjetivos que representam ambas as tradições – a eclesiola é sua forma de vincular, na prática, estas duas correntes.[15]
A espiritualidade metodista é Trinitária. A energia espiritual trinitária não apenas constitui a Igreja, mas é sua dinâmica contínua. Wesley insiste em que todo aquele que não participe desse poder de Deus de modo contínuo não é membro autêntico da Igreja[16].
Preguem a nossa doutrina, inculquem a experiência, estimulem a prática, reforcem a disciplina. Se vocês pregarem somente a doutrina, o povo será antinomiano; se pregarem somente a experiência, ele será entusiasta; se pregarem somente a prática, fariseu; e se vocês pregarem tudo isso e não reforçarem a disciplina, o Metodismo será como um jardim cuidadosamente cultivado, porém, sem cercas, exposto à destruição de porcos selvagens.[17]
A Igreja passou de conservadora para um hiato como liberal e progressista para voltar a ser conservadora, só que neste momento de uma outra maneira, caminhando junto com as transformações sociais – a instituição não sufoca, necessariamente, a originalidade intuitiva do movimento. Na luta que se trava, se o respaldo de uma sustentar a outra e vice-versa, um equilíbrio dinâmico se estabelece para fortalecer a ambas.
Estamos diante de uma situação tão nova que exige de todos nós o mesmo rigor e compromisso espiritual, intelectual e pastoral que Wesley teve em seus dias. Não se trataria, portanto, de querer imitar ou reproduzir Wesley e o seu movimento, mas sim ter uma efetiva espiritualidade que responda aos desafios do mundo de hoje, e, assim como o grande gênio wesleyano, descobrirmos novos caminhos teológicos para respaldar uma espiritualidade que nos capacite desenvolver uma prática do evangelho que nos possibilite enfrentar com decisão e destemor a crise espiritual e teológica que vivemos em nossos dias.[18]
Wesley nos oferece um valioso instrumento para a renovação da Igreja em sua concepção e prática da ‘eclesiola’, ou seja, de pequenos grupos voluntários de crentes que vivem segundo a Palavra uma vida de disciplina e piedade comunitária, colocando-se nas mãos do Espírito Santo para serem utilizados como levedura na renovação do corpo total da Igreja.[19]
A eclesiola assemelha-se aos moldes do discipulado – é um estilo de vida e um método de pastoreio, uma estratégia para o cumprimento da missão. A herança das sociedades metodistas de Wesley, no modelo das ‘classes’, que era uma reunião semanal, uma subdivisão das sociedades, na qual os membros deveriam dar mutuamente um informe sobre o seu discipulado e assim sustentar uns aos outros em seu testemunho. Essas reuniões eram consideradas por Wesley como os tendões de sustentação do movimento metodista, os meios pelos quais os membros ‘velavam uns pelos outros’ por meio do amor.[20]
Hoje, o discipulado torna-se uma exigência sociológica. Na sociedade urbanizada, vemos o esfacelamento dos relacionamentos com seus reflexos na vida da família, no trabalho e na igreja. O crescimento desarticulado da sociedade cria a necessidade de ter-se espaços de comunhão, de relacionamentos, de acompanhamento pessoal, psicológico, pastoral e grupal.[21]
A proposta é tornar a eclesiola aberta e flexível, permitindo a formação de sociedades e grupos de discipulado dentro da Igreja, utilizando os meios de graça que oferece a ‘eclesia’; e toda a criatividade, disciplina e efetividade que possibilita a ‘eclesiola’ – espiritualidade vivida junto e no meio da vida.[22]
Contextualizado segundo a teologia do caminho proposta por Wesley, o discipulado é o movimento flexível que sustenta uma instituição sólida, independente do tempo e do espaço, visto que não somente é a eclesiologia fundamental do metodismo nascente mas também do cristianismo primitivo. A prática integral das obras de misericórdia e atos de piedade por meio da formação de pequenos grupos pode responder à demanda missionária e aos anseios das realidades e necessidades sociais dos países que compõem o continente.
Mas é preciso despertar a experiência e a piedade, conseqüências de uma vida de misericórdia e da ação social, a fim de sinalizar a justiça social e espalhar a santidade bíblica frente aos desafios da América Latina hoje.
Tal comunhão ativa e em solidariedade com o mundo, que inspira e promove as tarefas que impulsionam a humanidade à realidade escatológica que desafia, é a direção que buscamos hoje como articulação eclesiológica para o continente latino-americano.
Conclusão
A tradição wesleyana no continente latino-americano pode ser observada a partir da amostragem analisada por meio da experiência da juventude metodista neste início de milênio. As ‘mediações distorcionantes’ sofridas são recorrentes desde a transição da Inglaterra aos Estados Unidos, até chegar à América Latina e Caribe. Três séculos e três (dezenas de) culturas nos distanciam e diluem a essência – inegociável, porém passível de flexibilização aos distintos contextos, a fim de que não haja descaracterização.
A ‘eclesiola in eclesia’ é a leitura para a qual respeitados teólogos latino-americanos da atualidade convergem sobre a eclesiologia fundamental wesleyana e, a partir dela, a conseqüente missão evangelizadora, santificadora e renovadora da Igreja. Sempre e quando não seja perdida articulação equilibrada da indissociável síntese entre diferentes e complementares aspectos: obras de misericórdia e de piedade, vida e doutrina, experiência religiosa e conhecimento bíblico, iniciativa salvífica de Deus e resposta responsável humana, justificação e santificação, testemunho e fruto do Espírito, fé e obras, conversão instantânea e gradativa, lei e evangelho, santidade pessoal e responsabilidade social, o pessimismo advindo da corrupção do pecado e o otimismo da graça.[23]
A releitura factível sinaliza o discipulado como alternativa viável à contextualização da eclesiologia wesleyana. Essa foi a eleição da juventude latino-americana e mundial no movimento pioneiro realizado na transição para o terceiro milênio até hoje, bem como a opção da Igreja Metodista no Brasil, que a partir do 17º Concílio Geral criou a Câmara Nacional do Discipulado, e o está desenvolvendo em nível local, distrital, regional e nacional.
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[1] No contexto do programa continental pioneiro denominado “Jovem em Missão”, desenvolvido no qüinqüênio 1998-2003. Cf. PLAÇA, Joyce Torres. In: Acta de la VIII Asamblea General de CIEMAL, 2003, p. 86-93.
[2] Referência a José Duque.
[3] Termo cunhado por Mortimer Árias em artigo publicado em Luta pela vida e evangelização, p. 73-95.
[4] Expressão cunhada por Peter BERGER em sua obra O dossel sagrado.
[5] BOFF, Leonardo. Os sacramentos da vida e a vida dos sacramentos, p. 9-10.
[6] KLAIBER, Walter; MARQUARDT, Manfred. Viver a graça de Deus: um compêndio de Teologia Metodista.Tradução: Helmuth Alfredo Simon. São Bernardo do Campo/SP: Editeo/Cedro, 1999, p. 461-466.
[7] SOUZA, José Carlos de. Um modo equilibrado, dinâmico e vital de fazer teologia. Teologia em perspectiva wesleyana. REILY, Duncan A.; SOUZA, José C.; JOSGRILBERG, Rui. São Bernardo do Campo: Editeo, 2005, p. 21.
[8] KLAIBER, Walter; MARQUARDT, Manfred. Viver a graça de Deus, p. 77.
[9] Expressão cunhada pelo missionário J.A. Mackai, em contraposição à ‘teologia do caminho’ de Wesley.
[10] JOSGRILBERG, Rui S. A motivação originária da teologia wesleyana. In: Caminhando: Revista da Faculdade de Teologia da Igreja Metodista, São Bernardo do Campo, SP: Editeo / UMESP, v. 8, n. 12, 2º semestre de 2003, p. 111.
[11] BONINO, José M. Metodismo: releitura latino-americana. In: Luta pela vida e evangelização: a tradição metodista na teologia latino-americana. BONINO, José Míguez, et al. São Paulo: Ed. Paulinas, 1985, p. 165.
[12] JOSGRILBERG, Rui S. O caminho da salvação: a teologia peregrina de JohnWesley em nossos caminhos. In: Teologia e prática na tradição wesleyana: uma leitura a partir da América Latina e Caribe, p. 16.
[13] BONINO, José M. Hacia una eclesiologia evangelizadora: una perspectiva wesleyana.São Bernardo do Campo: Editeo, 2003, p. 70-2.
[14] BONINO, José M. Hacia una eclesiologia evangelizadora, p. 33-4.
[15] Id. Ibid., p. 70-72.
[16] RUNYON, Theodore. A nova criação: a teologia de John Wesley hoje. Tradução: Cristina Paixão Lopes. São Bernardo do Campo, SP: Editeo, 2002., p. 134.
[17] SOUZA, José Carlos de.As marcas metodistas hoje. In: Teologia em perspectiva wesleyana, p. 61.
[18] AYRES, Paulo. Pra não dizer que não falei das flores. Texto não publicado, p. 5.
[19] BONINO, José M. Hacia una eclesiologia evangelizadora, p. 70.
[20] COLÉGIO EPISCOPAL DA IGREJA METODISTA NO BRASIL. Manual do discipulado. Volume 1, p. 41.
[21] Id. ibid, p. 44.
[22] Segundo o Dr. David Watson.
[23] RIBEIRO, Cláudio. Teoria e prática: como os estudos wesleyanos podem contribuir para que as igrejas caminhem na missão? In: Caminhando, nº 12, p. 253.